Portugal, Ele Mesmo!
"... A nossa viagem pela história de Portugal chegou ao tempo presente. Mas o passado não vai agora desaparecer da minha análise, até porque aprender com ele é crucial para compreendermos o presente e melhor planearmos o futuro, ainda que a História nunca se repita exatamente da mesma forma. Portugal é, de resto, um país onde o passado pesa muito. Não só as causas do nosso atraso derivam, em grande parte, da nossa História, mas também o modo, a meu ver errado, como muitos a interpretam tem uma forte influência no presente: a memória coletiva do país está presa aos seus mitos."...
chegada à página 252 deste livro de Nuno Palma, confirmo as palavras que constam na capa do livro de João Miguel Tavares - "uma máquina de devorar mitos. Absolutamente essencial." A cada página é ver-me a arregalar os olhos e a pensar ... não foi isto que me ensinaram...não foi isto que me disseram ... Mas em tudo o que se apresenta no livro, a ciência faz-se presente, e contra factos não há argumentos, não é assim?Recomendo vivamente a leitura do livro que já vai na sexta edição. Recomendo sobretudo aos mais jovens!
Eu sou formada em canto lírico, estudei dos 20 aos 28 anos de idade no Ensino Superior. Mas entrei no mercado de trabalho logo aos 16 anos quando comecei a dar aulas na minha escolinha de música. Aos 19 anos abri atividade para passar uns recibos-verdes, também por causa dumas aulinhas. Anos mais tarde, e já em Berlim, recebo uma notificação da Segurança Social com nota de dívida de 5000€. Eu, estudante, fiquei pasmada!!! Como assim??? Como é possível??? Foi a primeira vez que fui roubada pelo estado. E como eu, há quantos? É raro o músico que eu conheça da minha geração que não tenha tido dívida à Segurança Social. "Devias saber que tens que fechar atividade" ... Devia??? Nessa altura comecei a entender um dos mitos do estado ... Uma coisa é aquilo que se diz, outra é aquilo que se faz. e no concreto, o estado estava a roubar-me por esta razão: não me instruiu. É justo dizer isto? Só para quem vê mais além.
As causas do atraso português, de acordo com Nuno Palma, começam no Séc. XVIII, com o gravíssimo erro que implantou em Portugal o analfabetismo, a expulsão dos Jesuítas. O fanático Marquês de Pombal, endeusado na Primeira República (também ela anticlerical), arrebentou com o ensino em Portugal, que perdeu naturalmente depois o "comboio da Revolução Industrial". E eu a pensar que ele tinha sido um grande senhor que levantou sozinho Lisboa dos escombros do terramoto ... A par deste mito o Nuno Palma desfaz outros em pedaços sem dó. Mitos que em muito servem um certo estado das coisas, um certos mitos do Estado Novo.
O Nuno Palma é assumidamente ateu. Eu sou mais ou menos da idade dele e o que eu sou em termos espirituais não tem nome pois ainda não vivemos história suficiente para lhe dar definição ... diria que vivo a transição para a desfazer em pó. A verdade é que quando digo o Pai Nosso, digo-o em aramaico. Não se trata de ser isto ou aquilo, trata-se de Não Ser para Ser. E não é Zen isto. Na prática a semântica perde todo o poder. Diz-me o que fazes e logo te direi o que és. Não é pelo que dizes que és, que "o és" - basicamente é isto que define os mitos que o Nuno Palma descreve no seu livro.
A esperança que tenho em Portugal e nas suas Virtudes espirituais é íntima e pessoal. Vive em mim, eu que me encontrei em África. Foi na Namíbia que eu senti uma parte de mim que se acendeu para nunca mais se apagar, senti a Terra, o Planeta Terra. Quando falo de virtudes portuguesas nunca seguro a bandeira verde e vermelha ou os Lusíadas ou o mito do Quinto Império. Quando falo das virtudes portuguesas falo de mim pois é só de mim que posso na verdade falar.
Falo de virtudes portuguesas que moram na água dos olhos, no granito, no genuíno sorriso, no abraço, na qualidade humana que de coração aberto sabe dar sem esperar nada em troca. Falo tanto do verso como do palavrão, dum soneto de Antero de Quental como duma cantiga de romaria. Este é o verdadeiro e profundo português! E é a simples virtude de Ser que interessa Ver, tudo o resto poderá até acabar em verborreia. Gente que tem no fundo da alma o oceano aberto, tem Amor Vivo suficiente para não se prender a complexos que possam minar a pureza do gesto.
É preciso ter muito cuidado com a intelectualização deste simples Amor que nada mais é que Amor, é o Tal Poema Vivo. É preciso saber que a intelectualização tem sérios limites e que pode tornar-se perigoso ao ponto de ensurdecer a Voz que Ama. Por isso é que a instrução que recebemos na escola deve ajudar a entrar no mundo sem tirar a voz do fundo ...
Voltando ao livro, eu sei que vivo num tempo diferente, e se me vejo embrenhada na repetição do padrão histórico de um coletivo, sei que hoje eu estou melhor preparada para não cometer os mesmos erros. Essencialmente é isto: eu estou em Portugal, e faço parte da sua memória agora, mas se eu gosto deste Atlântico é porque ele vibra em mim de um modo que me diz respeito só a mim, e isso basta-me e Isto é já muito diferente do século passado.
O português vive a olhar lá para fora, para o inglês e o francês e o melhor do mundo. Se gosto de Portugal não é pela comparação que posso fazer, é porque eu Sou Daqui. O irónico é que eu ganhei esta sensação em primeiro lugar em Berlim. Na Alemanha de Berlim, e na vasta pluralidade de gentes, finalmente senti alívio e senti que era livre para olhar para mim mesma, sem receio do que o vizinho ou o outro diga - isto permite-me gostar de Portugal sem lhe dar o falso rosto do mito.
Para um sincero auto-conhecimento tens que sair da tua redoma. tens que sair de casa dos pais, da tua cidade, da tua microcultura para sentires realmente quem Tu És sem os filtros das formas-pensamento herdadas.
E não é à toa que o Nuno Palma vive no estrangeiro ... Se isso é bom ou mau? Neste caso é esplêndido! e como dizia o Agostinho da Silva ... o Salazar fez-me um grande favor, se não fosse ele não tinha feito no Brasil o que fiz ... E é isto, essencialmente isto, para viver a portugalidade sem se cair no mito é preciso ver além, muito, muito além!
Sebastianismo ou Quinto Império? Portugal, chama-lhe o que tu quiseres, mas acima de tudo, faz o que tens a fazer, Sê Tu Mesmo!