O Sagrado Feminino não tem género
Eu sou do tempo em que os livros ligados ao esoterismo estavam numa estante escondida a um canto na FNAC de Santa Catarina, bem lá no fundo. Pegar num livro dessa estante, era quase um acto de coragem para meninas tímidas como eu, que, no final da adolescência, se questionavam sobre o que era o TAO e o Yin Yang ... Não quer dizer que hoje não existam assuntos tabu em determinadas esferas, mas hoje, não é só uma estante que contém esses livros, é toda uma secção que se mostra assim que se descem as escadas da FNAC - Está tudo à vista! Livros de auto-ajuda, espiritismo, tarots, oráculos e cada vez mais oráculos ... Muita coisa mudou em 20 anos!
Algo que está a mudar também é o entendimento do que é o Sagrado Feminino.
Quando comecei a conhecer o conceito, senti muita resistência a aderir a um círculo de mulheres. Em 2015 fui a um desses círculos, e as únicas palavras que disse, foram direcionadas a uma menina que falava do sofrimento causado por outra pessoa. Há que perceber o origem das nossas palavras, a nossa carência gosta de nos colocar no lugar da vítima, e isso é ir contra nós mesmas. A vitimização é um lugar obscuro, onde a luz tem imensa dificuldade em entrar. Foi o que disse (mais ou menos nestas palavras....já foi há bastante tempo). Na altura eu já tinha iniciado um desenvolvimento espiritual muito concreto, ligado precisamente à noção de Responsabilidade.
Para entender a fonte da narrativa da minha própria persona, tive que alargar muito a perspectiva, para além da própria vida. Tive que entender a morte e a natureza do Espírito. O conhecimento das culturas orientais e afro-brasileiras trouxe-me muita lucidez para entender o "porquê eu?" ... e o meu plano da encarnação, que como todos os outros, foi tecido a fio de Amor Universal.
Só uma perspectiva alargada nos pode libertar da falsa noção de justiça. Existe a justiça humana e existem as leis cósmicas. Quem se revolta contra Deus, fá-lo porque a sua mente está ainda imersa nestas leis humanas que se baseiam apenas na memória que temos de nós mesmos. O que aprendi com a cultura oriental e com a cultura afro-brasileira, é que esse Deus que muitos acusam de injusto, está muito para além daquilo que a minha mente consegue processar. Há muitas formas de existência no Cosmos. O homem é feito à semelhança de Deus, porque ele tem em si a chama que faz dele um deus criador. Mas a memória que o homem tem de si, é tremendamente finita ... no infinito firmamento das estrelas! A verdade é que o estudo me trouxe as respostas que precisava para as questões da vitimização, típicas da adolescência. A minha adolescência foi isso mesmo, uma idade de porquês por responder ... a vida adulta é assumir a responsabilidade e não esperar que sejam os pais ou os companheiros ou os amigos a dar as respostas ou a emendar o que está mal. A vida adulta é assumir a Vida por inteiro e comungar com o Cosmos no acto da Criação, como um deus ou uma deusa.
E isto traz-me ao título do artigo ... O Sagrado Feminino não tem género. Para entender esta frase é preciso entender o Arquétipo, a Energia, o Movimento que está para além da memória e da forma que os nossos olhos veem. O Sagrado Feminino não é um reivindicação, não é um acto humano com base na história. O Sagrado Feminino vai além da nossa memória e do nosso corpo aqui. Ele É "Infinitamente".
Em 2016 criei um coro de mulheres ... e depois outro ... e a seguir vejo-me envolta sobretudo por mulheres nos meus coros. E não dura muito tempo até eu própria organizar um círculo de mulheres (daqueles aos quais eu apresentava resistência) ... sentindo que havia algo muito mais forte do que eu a mover-me.
As primeiras experiências foram bençãos. Mostraram-me que o meu corpo feminino precisa da energia masculina para manifestar uma força inerente ao modo como toco o meu tambor xamânico quando preciso invocar o vulcão que trespassa a terra. O meu corpo feminino viu-se infundido de energia masculina ao sentir que precisava segurar a energia de uma grupo de 30 pessoas para a canalizar numa canção. A minha mente no meu corpo feminino, precisa da energia masculina para ter o discernimento que me permite estruturar, clarificar as linhas de ação ... O meu corpo é feminino, mas a minha energia tem ambas as forças: a feminina e a masculina. Se eu não aceitar a energia masculina, isto é, se eu sentir revolta e agir contra o homem, tendo o género como princípio, estarei a deturpar o meu Sagrado Masculino, e a sua manifestação em mim será sobretudo esta - a manipulação dos outros para obter o que o meu ego quer. Um acto criativo, segundo as leis cósmicas, nunca é um acto contra....antes, um acto com.
O resgate do Sagrado Feminino é tão importante como o resgate do Sagrado Masculino! E muitos homens começam a despertar para esse Sagrado em que ambas as energia comungam em equilíbrio. O engano acontece quando eu assumo que, por ser mulher, eu sou vítima de algo. O engano acontece quando eu assumo que, por ser homem, eu sou vítima de algo. Falo de uma perspectiva muito alargada e para além da memória histórica. Não falo dos motivos que levaram à criação do dia mundial da mulher. Falo de uma perspectiva cósmica. A visão dos olhos da memória é muito diferente da visão cósmica. Para entender isto é preciso conhecer-se a si mesmo, observar cada acto, a vida, e sobretudo, observar o sofrimento e aqueles que supostamente nos magoam ... Eles estão ali para nos dar uma grande oportunidade de chegarmos mais perto da nossa Essência Divina!
O meu curso é só para mulheres de momento. É este o movimento que o meu Espírito me dá neste momento. Mas é um facto que quanto mais trabalho só com mulheres, mais me dou conta da importância da minha energia masculina, em equilíbrio com a minha energia feminina no trabalho que desenvolvo. Não é por acaso que, intuitivamente e sem saber exatamente porquê, consagrei o meu trabalho ao Arcanjo Miguel.
Sou caranguejo, com lua em peixes, tenho muitos planetas em signos de água, inclusivé o Marte. Conhecer a Água, entender e falar a sua linguagem, o modo como guarda a Memória dos Tempos para a fazer correr nos nossos corpos é a grande fonte da minha criatividade. Por isso, não consigo estar muito tempo longe do Mar. Mas é o Sol que abre os meus pulmões à vida. Nasci no dia mais quente do ano de 1981, e é nesse calor que as minhas mãos fervem por descobrir as pérolas, daí ter sido tão transformadora a minha viagem a África.
O Feminino é Água que traz a vida, o mar que envolve, o mar que Conhece, o Feminino é a Sabedoria, Sophia e o seu Mistério. O Masculino é o sol que trespassa as águas, a linha aberta daquele barco que leva a Vida ... a Lucidez que traz à tona a Pureza e toda a Beleza que existe em nós!
O que sinto é que o futuro, cada vez mais, trará através das nossas Almas uma visão mais ampla dos Arquétipos, tornando evidente que em nós, ambas as energias coexistem. E só assim, é que os desiquilíbrios que se manifestam no exterior - e em concreto, a violência - poderão ser curados.
O Sagrado Feminino também é inerente à natureza dos homens. O Sagrado Masculino também é inerente à natureza das mulheres. A Beleza deste Sentimento é inefável.
imagem: Joana Soares