A Sagração do Amor
"... Na vasta colónia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente." Fernando Pessoa
Foi pela Vontade de algo misterioso que acabei por abrir a Voz em "mil faces de mim mesma", numa multiplicidade de expressões que nascem de um coração aberto ao desconhecido. Aos 13 anos de idade tentei escrever um livro, mas correram-me as lágrimas em desalento ao perceber que não tinha as palavras. Mais tarde, quando comecei a ler os clássicos e sobretudo quando comecei a falar alemão, as palavras foram nascendo dentro de mim! Surgiu a Poesia que eu tanto ansiava! Aquele choro era tão puro, um choro que vinha de um desejo muito simples e ao mesmo tempo magnânimo - tocar a Beleza. Quando li a Paixão do jovem Werther aos 22 anos rompi num choro inefável, ante os meus olhos a mais pura Beleza. Não tinha como descrever todas as sensações que me percorriam, sentia-me iluminada, da mesma maneira como me senti mais tarde ao escutar as sonatas da Franz Schubert. Quando percorria os museus de Berlim e de Florença novamente surgiam as lágrimas. Em Florença fui incapaz de manter os olhos num dos quadros renascentistas, sentia que não tinha permissão para olhar tal Beleza e perguntava-me, como é possível estas pessoas à minha volta não sentirem o mesmo? Como é que conseguem olhar? De onde vinham estas sensações tão difíceis de descrever, mas que atravessavam a água do meu corpo como feixes de luz intensa?
Hoje sinto que todas as viagens da minha vida sempre me guiaram a um só lugar, o lugar desse choro profundo e indescritível em que sou confrontada com o Mistério da Beleza! O lugar é interior e projecta-se no mundo para que possamos juntos caminhar entre mundos! Na música encontro essa Beleza no erudito, no étnico, no complexo e no simples, no lírico e no selvagem.
Aos 18 anos a sensibilidade do meu corpo abriu-me os espaços do invísível para percorrer a senda do mistério da morte. A Fé aliada à incompreensão fez-me encontrar respostas em todas as culturas do mundo para as sintetizar ao longo da Vida na percepção do Belo. Senti a Arte aliada aos ciclos da vida num só lugar, encarnação e ressurreição! O pressentimento da morte e do invisível alimentava medos no meu imaginário, mas aprendi com os Mestres a reconhecer a ilusão que eu própria criara. Os movimentos do Amor e o lume aquoso da emoções tão presente na música subtil fez-me cantar salmos e hinos à luz que dissolvem véus e correntes! E assim toco a Beleza da família terrena, das linhagens e o esplendor da família estelar, a Beleza de mim mesma aqui e dispersa em formas múltiplas para além do espaço/tempo!
A percepção da Beleza conduz-nos à versatilidade, ao olhar que se estende no visível sabendo que há tanto que não se lá vê! Toco o corpo e sei-o daqui e de além! Entrego-me ao prazer puro da suavidade da água e sei-me liberta da história. Celebro Magdalena em mim mesma e sei que a liberto da história. Celebro nomes que cultivei nas minhas células cantando-os e Michael, Zadkiel, Chamuel ... são flores abertas dentro e fora de mim. Porque canto a Vida é real! Na Beleza do Canto há brechas que se abrem para pressentir o sublime gosto da Consciência! Sim, a Consciência tem sabor quando a trazemos ao Corpo! Um fluxo percorre a forma para lhe confirmar a Vida!
Por isso quero aprender aqui com o seres que cantam no fundo dos oceanos, os seres que conhecem o sal da Terra, no sabor sei-me em Casa mesmo que imersa na amnésia sagrada da encarnação. No Mar aberto sinto um convite para testemunhar o que não tem forma para que seja eu a edificá-lo em templos plurais. E sinto o Humano Visível, hoje que podemos atravessar o globo em imagens instantâneas, hoje que podemos ler tantos, tantos livros iluminados ... hoje temos tudo na palma das mãos, inclusivé a energia solar! Como filhos do sol, saudemos esta Energia para que sejamos com ele a dança do Dia e da Noite, das Estações, dos grandes Ciclos, da Mudança!
E sinto que Jesus tem no coração um desejo e que o chora alegremente com sabor ao sal do futuro:
... que as novas faces do Amor se mostrem na água dos vossos olhos! Pisei este chão para semeá-lo na Terra e são vocês os frutos e as sementes dum novo pulmão telúrico! Que o Amor se mostre ainda mais através da vossa Vida, este é o Lugar perfeito para a sua Sagração ... a tua casa, a tua família, a tua cidade, a tua floresta, o teu oceano, a Tua Terra, o teu Corpo!
Abraço Jesus sabendo que o seu cristal sempre esteve dentro de mim como dentro de todos nós. Não estamos sozinhos ... é isso que nos quer dizer a Beleza! É isto que me disse aquele quadro renascentista: para além do visível aqui estou Eu a contemplar o olhar que me dedicas! Quem é este Eu?
Respondo da mesma forma como comecei, com palavras de Fernando Pessoa: "Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos..."
E sim ... está a nascer o meu Livro.